quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Amoras da vida


Parece-me que a vida
É como apanhar as amoras silvestres da minha infância

Abro em mim
A imagem da recordação
Para verificar
Se sim ou não
Tem sentido
Uma tal comparação:

Vejo-me, menina
Lá vou eu,
De pé descalço
Devagarinho
Pé ante pé
A fazer de conta
Que não sinto
O picar das silvas
As minhas mãos
A ziguezaguear entre os picos
Como se estes fossem de algodão
Tal é a obsessão
Do gosto da amora madura
A derreter-se na minha boca

Afinal, tem sentido sim...
Diria mesmo que a vida é uma silva cheia de amoras!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema"

Ampolas de Sol

(Lumière Foto de Paulo César Zyeuter.com)


Chegaste,
Com mãos cheias de noite
Sacudir,
Meu corpo a baixo,
A luz do meu dia
Quiseste,
Derrubar o sol
Que me ilumina por dentro
Ficaste atónito...
Quando este não se rendeu
Garras de fora, aferrou-se-me à alma
E mesmo sangrando um pouco
Brilhou como um louco
E de tanto brilhar
Abriu as goelas ao escuro
E fez-lhe engolir
Uma das minhas ampolas de sol...

Sabes, foi assim que a noite implodiu no seu próprio ventre!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Chegar a ti


    (Pedra Foto de Misha Gordin)


Gasta-me, o caminho
Mais do que as solas dos sapatos

Sendeiro impraticável, este
Que me leva por um chegar a ti
Que nunca mais chega...

Mas mudar de alma, de coração
Como se muda de sapato, não...

Só uma alma que teima em continuar,
Mesmo quando o coração perdeu o salto
Avança, trepa, passo a passo, às cegas, sem cair

Porque reconhece as pedras
Os buracos, as esquinas
Que suga em vez de contornar

Foi caminhando que aprendeu
A moldar o sapato à dor do caminho

E chegará...

Nem que seja descalça!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Elevar-me em gestos lentos

(An angel passing by Foto de Alsom Zyeuter.com)


Receio
Não mais saber ser inteira
À força de viver dobrada
Ante os infindos
Contrários elementos
Vou, esticar a alma
Com as cordas que a vida me deu
Elevar-me em gestos lentos
Do fundo deste meu escuro
Constrangir os sentimentos
Ao silêncio das palavras
Todo o meu ser balança
Em contorcionistas movimentos
Que me tolhem de dor...
Agarro-me às cordas
Grito-me pra dentro
Encerro "in vitro" o medo
Que me entorpece o coração
E continuo a minha ascensão!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Fui

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Sou...
Um objecto
Um trapo
Um nada
Em permanente
Desvalor
Que empurras
(Nos dias em que cospes fel)
Escadas abaixo
Da vida e do amor

Sou...
Alma violácea
Cor do ódio
A jorrar-te dos punhos
Ventre violentado
Por esse esperma envenenado
Que só a maldade pode engendrar...

Sou tua mulher, dizes?
Fui...
Até ao dia em que me mataste!!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Não dês de comer à pedra

(Foto de Jurg Düsterwald)


Não dês de comer à pedra
Pedra não tem fome...

Não dês sentimentos à pedra
Pedra não sente...

Não dês sonhos à pedra
Pedra não sonha...

Pedra só chora...
Mas tu não vês a seiva salgada
Das lágrimas a corroer a pedra por dentro...

Se, ao menos, fosses capaz...

Desse golpe conciso que a estilhaça
Verias afluir à superfície da pedra
Sua alma vermelho sangue!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Não me toques


Não me toques...

Não é nada disso...
Adoro as tuas mãos

Não me compreendas mal:

É que eu sou um edifício
De mágoas da vida e penas de amor
Que empilhei desajeitadamente
Uns sobre os outros

Olha como me inclino
Neste desequilíbrio absoluto

Se me tocas...
Desmorono-me!!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Os meus olhos, pássaros enfermos


Os meus olhos, não os tenho
(Pássaros enfermos de saudade)
Mandei-os com o vento
Quando este bateu
À porta do pensamento
E já lá longínquos,
Poisaram; e se debruçaram
Sobre o parapeito do mar
Abriram de par em par
Janela da alma
Iris Dilatada, invasão de azuis
Que entraram por mim a dentro
E logo uma onda se me enrolou no peito
Como se meu coração de areia fina fosse feito
Bebeu, sedento
Odores de maresia e raios de sol...
Até cair, bêbado de alegria
E a saudade afogou-se no encher da maré!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Teatro

(Fake Love Foto de Maria Flores olhares.com)


Mordo, fingindo que é carne
A carne do meu poema

Pouso a minha boca na tua ausência
Adivinho-te a alma, aprendo a tua essência

Bebo num faz de conta
O eco de sal que me chegou da tua pele
Porque sei o teu sabor na ponta da língua

Toco o teu olhar com os meus dedos
Engulo as tuas cores com os meus olhos

Enconsto o meu coração à tua voz
E respiro a tua música...

Teatro! Só teatro!
Sei-me dançando sozinha
No palco do "Tu não estás"!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Trota a palavra



Trota a palavra
Na mente do Poeta

Relincha impaciente
Nos olhos de quem escreve

Encabrita-se exasperado
No parir de cada verso

E quando lhe abrem a portada
Da cavalariça da escrita

Galopa dementemente
Na planície do poema!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Verbo escuro

(Momentos de Solidão Foto de Marta Ferreira Olhares.com)


Verbo escuro...

É borrasca grávida de lágrimas
Filhas da dor que me toma por paisagem...

E eis-me mar morto de luz a sangrar
Que nem sequer tem onde encalhar

No cume das ondas trago murmúrios
Sentimentos aos soluços
Que vão perdidos do seu destino

Ai, as palavras de amor que se afundam no próprio berço!

Só me restam momentos mascarados de solidão
A beijarem-me o canto da boca

Desamar, que verbo escuro! Ser desamada, a escuridão.

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Não...


Não...
Não gostes de mim
Sou só uma ferida suja e latejante
Não...
Não olhes para mim
Carrego nos meus olhos
Tantas estrelas mortas!
Não...
Não me abraces
Porque o meu corpo dói
Das pisaduras que trago na alma!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Navega sozinha


Navega sozinha
Num barco que já se esfuma
Arfando de cansado
Neste mar da vida tão agitado
Lá vai ela, vela ao vento
Embatendo na espuma
Das ondas da saudade
Dos sonhos sem idade
Que embalaram a sua infância
Navega às escuras
Sob um céu tão negro
Onde o diabo apagou
Todas as estrelas...
Mas ela, mar adentro, continua
E de medo nua
Não perde a esperança de avistar
A luz do seu farol!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

O fruto



Esvurmar
A ferida
Até que arrebente
O pus
Ao sentimento
Dissecar
A leiva que o mal lavra
Esponjar bem
A superfície do sofrimento
Torcer
O pano do sentir
Que se despolpa e se delíqua
Em lava feita de carne viva
Do ventre aberto
Onde a dor
Se retorce
Desassisada
Nas tripas do amor
Como um bicho
Petulante
A comer
Sôfrego
O fruto maduro
Que me cai
Do coração!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Possuir-te pela voz

(Foto de Maria Flores Olhares.com)


Prendo,
Com um sopro de vento
Palavras soltas
À flecha que invento...

Punhado de letras
(que me sai do coração)
Viravolteia como um pião
No calcanhar do poema...

Aferram-se-me aos dedos
(Vou ter que os sacudir!)
Como um filho se aferra
Às saias da Mãe na hora de partir...

Esta flecha que vou lançar
Aos confins da tua boca
É para rasgar o silêncio
Do verso que fica em mim...

Vai carregada
De ponta armada
Com os pontos cardeais
Da tua garganta...

Palavras minhas que vão
Furar por dentro o muro do eco

E nem que não queiras,
Hão-de dançar-te na boca
E possuir-te pela voz!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Morder a Carne

(Fruto proibido de PrinceCristal)


Às vezes, penso
Que o verdadeiro "Eu" do Ser
É como o caroço que se esconde
No núcleo do fruto...


Até o encontrar,
Muito teremos que lhe morder a carne!


(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Rasga-me este véu

(Coccon de Luis Miguel Mateus olhares.com)

Rasga-me este véu
Onde dentro, me prendo
Numa vida branca, sem cores
À tua espera...
Enche-me os vazios
Com mãos cheias de bom e de mau
Mas solta-me daqui,
Antes que as raízes do que sou
Se me apodreçam
E eu me transforme em terra de ninguém!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Talvez chova


O futuro será talvez terno
Talvez os sonhos que sonhaste
Sejam só desilusão na hora de despertar
Talvez a vida te peça
Que caminhes às cegas
Em nevoeiro cerrado
Talvez chova... muito... na tua alma!
Mas sabes,
Por vezes quando a chuva cai
São lágrimas de luz
Que te lavam as sombras
Que obscurecem a memória
E te aclaram o olhar!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Tudo é negro

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Tudo é negro
Hoje...
No céu negro
Sopra o vento negro
Negro, o vazio de ti
Na noite negra
Que enegrece meu sono
De sonhos negros
Riscados de pesadelos
Torce-se o meu corpo
Negro de desespero
E o meu espirito a encher-se
De ideias negras
Que o negro da tua ausência
Enegrece mais...
E naugrafando perdido
Neste oceano de negro
Meu coração...
De vermelho vestido
Um vermelho em sangue
De amor por ti!

Volta à minha vida
Devolve-me as minhas cores!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema")

Rosas de silêncio

(Vestido eterno Foto de Flor Garduño)


Não sei porquê
Esta obsessão das palavras...
Se todas estas rosas de silêncio
Que me vestem o coração
Te falam de mim
Bem mais alto...
Porquê palavras?!

(Carmen Cupido in "Corpo do Poema" )